9 de junho de 2008

Diferenças e Breves Relatos entre Coolhunter e Pesquisador de Moda

Rachel Cordeiro
Estilismo e Moda
Universidade Federal do Ceará
Pesquisadora de moda para empresa têxtil
rachel.a.cordeiro@gmail.com

Resumo
Este artigo tem como objetivo identificar e separar duas maneiras de atuação dentro da cadeia produtiva de moda. Há um processo crescente de surgimento e reconhecimento das várias profissões de moda, tornando necessário o seu diferenciamento. Apesar de haver confusão entre as áreas aqui examinadas, até mesmo por profissionais atuantes no mercado, elas dialogam entre si mas,são distintas, podendo não haver conexão se assim for desejado. O pesquisador de moda atua diretamente em pesquisas do que já foi feito enquanto que o coolhunter caça o que está na iminência de ser fabricado, o que ainda está no ar.

Palavras – chave: coolhunting, pesquisa de moda, moda rápida, indústria têxtil.

Abstract
Due to the value attributed to fashion professions, this article was made to identify and separate two areas of the fashion industry. Because they are alike, even the professionals tend to combine or confuse them, but those professions can be separated and no longer be similar. The fashion researcher goes for the fashion shows, for the things that are already made, the cool hunter attacks what’s about to be wanted, what’s still on the surface of wanting.


1. Introdução
Com novas práticas de fabricação rápida de moda se tornando cada vez mais um negócio almejado e lucrativo, a importância de novos profissionais está ficando cada vez mais evidente. Porém a falta de consciência dos papéis que devem ser exercidos, muitas vezes, por existência de uma confusão de nomenclatura, pode denegrir a imagem e a credibilidade dos profissionais.
Este artigo tem como objetivo estabelecer as características do que é um coolhunter e o que é um pesquisador de moda, para contribuir com a indústria têxtil nacional, na definição dos lugares e funções desses profissionais.
O termo coolhunter já é largamente usado no Brasil, mas tem sua origem nos Estados Unidos, onde a maioria das pesquisas de moda são realizadas considerando-se a separação de estilos, idades e gostos que influenciam tanto na caça ao legal.
O pesquisador de moda é um grande personagem da indústria têxtil atual, ele é o tradutor das passarelas mais famosas das semanas de moda.
Com essas profissões bem definidas, é possível mover mais rápido as engrenagens da indústria de moda.

2. O coolhunter
O coolhunter é aquele que se insere em um ambiente social com o objetivo de tirar do lugar e do comportamento das pessoas os pontos e aspectos considerados positivos para serem usados em uma coleção. Este profissional gera os produtos e as idéias que serão absorvidas pelos grandes estilistas e espalhadas para o mundo como tendência pelos pesquisadores de moda.
Os jovens são observados e entrevistados por pesquisadores de várias áreas com o objetivo de captar o que for relevante, e transformar essa linguagem “estranha” em algo que possa ser digerido e apreciado comercialmente pelos consumidores em massa, que não são cool. “Transformar cultura em mercadoria” (FONTENELLE, p. 166, 2004), esse é o principio dese trabalho.
A palavra cool neste caso não significa apenas o que está no dicionário: legal. O cool para os dias de hoje é muito mais que isso, é algo exclusivo, diferente e que provoca desejo. De acordo com Mark W. Fillmore, é um comportamento, uma preferência, algo intangível que é admirado e se deseja copiar.
A origem das coisas cool, no artigo de Fontenele são os jovens e tudo que envolve o universo deles. Quem dita o que é novo são os chamados pelo marketing de consumidores alfa, early adopters[i] ou trendsetters[ii]. Eles são os guias em comportamento, moda e modos para as pessoas que aderem ao cool . Uma vez identificados, estes consumidores freqüentemente passam a trabalhar para as empresas de coolhunting.
Não existe nenhuma fórmula para ser coolhunter, cada pessoa aplica para si o que funciona para a compreensão do todo sócio - cultural, porém, em 1997, Malcom Gladwell em seu artigo para o jornal The New Yorker define três regras para ser um coolhunter.
Traduzindo seu texto, ele explica que o cool não pode ser observado porque foge; segundo: as companhias não podem fabricar o cool porque é algo que só pode ser observado e terceiro, o cool só pode ser observado por pessoas que também são cool.
Existe um paradoxo nessas regras que regem a cultura jovem de transformar as mercadorias e idéias em algo obsoleto e “fora de moda” muito rápido, bastando haver uma aderência em massa para algo deixar de ser novidade boa e virar “normal” ou fora de moda.
Com esta característica volátil dos geradores de novidade, o coolhunter precisa saber se inserir em um meio social de maneira natural. Filmore ainda vai mais longe e aconselha o uso de gírias e vestuário como ferramentas. O objetivo é “pegar no ar” algo que está na eminência de acontecer e que pode ser traduzido, muitas vezes transformado em cultura de massa.
A prática aconselhada é a observação da cultura jovem mundial, programas de música, blogs e fotologs, também conversar com pessoas jovens e saber como é a maneira deles verem o mundo, os hábitos e manias, devido ao fato de criarem códigos globais muito rápido, que desaparecem com a mesma velocidade. É preciso estar ao mesmo tempo merguhado na cultura e mantendo uma certa distância para filtrar (in)conscientemente o que o cidadão comum ainda não sabe mas irá desejar consumir.
Prever o futuro da moda começa pelo estudo dos ciclos da moda. É necessário saber que o tempo entre novidade boa e “batido” é bem mais curto do que era há dois ou três anos atrás, porém, a liberdade de escolha de estilo permite que algumas coisas permaneçam como peça chave de vestuário por muito tempo, algumas vezes, mais que o esperado.
A professora Valéria Brandini em sua oficina de pesquisa de tendência (quando e onde) classifica as tendências como longas, que são definidas como trends e curtas que são feds. As tendências longas devem durar até um ano e meio, enquanto que as feds podem ser comparadas com romances de verão, muitas vezes não duram mais de quatro meses. É necessário chegar ao desejo coletivo e alcançar o objetivo maior que é a satisfação e continuidade de consumo.
O coolhunter percorre o inconsciente coletivo e traduz em objetos palpáveis ou idéias de serviços o que apenas está no ar. Em breves linhas, o Inconsciente Coletivo explicado pela psicologia são experiências vividas repetidamente que ficaram armazenadas e são passadas hereditariamente. Holisticamente, o Inconsciente Coletivo são todas emoções, sentimentos e pensamentos que permeiam o universo.
De acordo com as duas explicações, o que é vivido, visto e sentido permanece em um lugar acessível a todos. O coolhunter precisa estar em sintonia com este “depósito” ao mesmo tempo em que o resto do mundo para ser bem sucedido.
Porém, existem estudos de marketing e comunicação que pesquisam os jovens e sua interação com o mundo. Estes estudos se tornaram necessários neste milênio devido às informações serem em grande quantidade e as pessoas começaram a filtrar os estímulos que recebem, e também porque nem tudo atinge da maneira que deveria ou que se espera, a percepção dos consumidores.
Apesar da mídia ainda ser a grande lançadora de conceito e identidade de consumo, freqüentemente é lançado um olhar para os lançadores de cool, ou seja, os jovens, para saber qual identidade deve ser atribuída ao lançamento.
Por outro lado, os jovens precisam ser convencidos que um produto é bom para adotarem como parte de sua identidade e/ou estilo, mas se baseiam na mídia para ter referências. Desta forma, um olha para o outro para formularem quem são, transformando- se em uma coisa só.
A moda é onde o coolhunter deve ser mais atento porque para uma marca de vestuário se manter cool no mercado é necessário mais que tendência, é necessário saber como abordá-las e como apresentá-las. É valioso o valor do cool para as pessoas.

3. O Pesquisador de moda

“Encontrar a resposta para a pergunta “De onde vêm as tendências? ”equivale a descobrir o caminho das pedras ...Ocorre que na sociedade pós-industrial a resposta à pergunta inicial não leva a nenhum lugar exato, precisamente porque leva a todos os lugares: quase tudo, hoje em dia, parece ser vetor de tendência!.” (CALDAS,2004, p. )
O pesquisador de moda trabalha com duas estações do ano: Inverno e Verão. A apresentação dos desfiles mais importantes para pesquisa de moda são em Paris, Milão, Nova Iorque e Londres, seis meses antes de realmente mudar o clima. Este tempo é necessário para o processo de produção da coleção, apresentação nas lojas e venda.
Um ano antes das semanas de moda acontecerem, é realizada a Première Vision, uma feira de tecidos, cores e padrões de estamparia, com as maiores indústrias têxteis mundiais apresentando em Paris as novidades e apostas divididas por tema. Cada espaço tem uma cartela de cor específica e as estampas e tecidos estão de acordo com o que está sendo abordado.
Fazer pesquisa de tendência atualmente é ver os principais desfiles, feiras e analisar as formas, cores, tecidos, atmosfera e temas abordados que se repetiram para apontar o que será usado em todo o mundo.
O principal objetivo é estar bonito, porém, dentro das regras de vestuário da época. Reconhecer, no outro, a roupa que você está usando, é afirmar inconscientemente que o seu gosto é bom, e o que você escolheu para vestir é comprovadamente bonito.
Antigamente as regras de vestuário eram mais claras e objetivas. Na Idade Média a nobreza tinha um código de vestuário e os pebleus tinham as sobras, o uso dos espartilhos foi generalizado para haver depois uma negação às amarrações.
Com a revolução sexual as mulheres passaram a adotar a indumentária masculina para em seguida ressurgirem da guerra com saudade da fragilidade e doçura que tinham antes.
O movimento hippie tinha como ordem ser livre de regras. Tanto no vestuário como no comportamento. Então todos, homens e mulheres, deixaram os cabelos crescerem e começaram a usar roupas unissex. Na mesma época, surgiu o glam que era também multissexual, porém mais elaborado, podendo ser considerado mais chique, e evoluindo na década de 1990 para os party monsters[iii]. Na época era uma segmentação de público (que não durou muito), mas que ilustra a realidade de multiplicidade cultural e de idéias em que vivemos .
Devido às mudanças culturais e comportamentais que cada década trazia, além das ramificações naturais de cada período, a moda, a publicidade e o comércio tiveram que se adaptar para continuarem ativos.
A pesquisa de tendências começou a surgir por volta de 1950/60, voltadas para a diferenciação de abordagem: chamar a atenção do consumidor para produtos iguais, massificados. A comunicação se tornou mais direta com o surgimento da televisão, então surgiram as primeiras pesquisas sobre as necessidades de consumo do público.
Por volta de 1970, principiou o uso de associação de imagens às sensações que o produto iria oferecer, ao invés do que antes era eficiente e que era apenas a apresentação do produto.
Em 1990 o uso de imagens associativas ao produto já estava saturado, várias formas de chegar ao cliente eram praticadas e o padrão de competitividade estava mudando, todos estavam em busca da inovação.
Faith Popcorn, em 1993 listou dez tendências de comportamento de consumo que têm prazo de validade de no mínimo dez anos. Retiradas do glossário, segue a lista das tendências com uma breve explicação ao lado.
Aventura da Fantasia: a era moderna aguça nosso desejo de caminhos desconhecidos.
Consumidor Vigilante: o consumidor manipula o pessoal de marketing e o mercado através de pressão, protesto e política.
Egonomia: a era estéril da computação gera o desejo de fazer uma afirmação pessoal.
Enclausulamento: a necessidade de proteger-se das realidades duras, imprevisíveis do mundo externo.
99 Vidas: um ritmo muito alucinante, um tempo muito curto causa esquizofrenia social e nos força a assumir vários papéis e a adaptar facilmente.
Pequenas Indulgências: os consumidores cansados querem dar-se pequenos luxos e procurar formas de recompensar-se.
S.O.S. (Salve o Social): o país redescobre a consciência social da ética, da paixão e da compaixão.
Sair Fora: as mulheres e homens que trabalham, questionando a satisfação e objetivos pessoais e profissionais, optam por uma vida mais simples.
Sobreviver: a consciência de que a boa saúde aumenta a longevidade leva a uma nova forma de vida.
Volta ao Passado: saudoso da infância tranqüila, o pessoal da geração baby-boom[iv] encontra conforto em atividades familiares e produtos da juventude.

O que antes era apenas voltado para o marketing e desenvolvimento de produtos novos, evoluiu e se transformou em tribos que usam nomes diferentes dependendo do ambiente em que estão localizadas, e são usadas para direcionar coleções de moda e difundir idéias, globalmente, em campanhas publicitárias, arquitetura e adaptar um estilo de vida a serviços.
Todas as tendências listadas são atingidas hoje por denominadores comuns: tecnologia e rapidez de informação, serviços e produtos facilitados, a consciência da satisfação do cliente vir em primeiro lugar. Estas características influenciam e unem as tribos.
O reflexo para a moda é: o cliente deve ser servido e é preciso ter o máximo de clientes possível, portanto, é necessário ter roupas que agradem a todos.
Também foi observado que, com o ritmo frenético do mundo, até os consumidores mais tranqüilos acabam por estar participando da 99 Vidas. Então a elaboração das tendências de moda e a forma de raciocínio do comércio mudou: O cliente deve ser servido, porém ele tem mais de um estilo, desta forma devo vender todos os estilos que ele deseja ter / realmente tem.
Desta forma, bem sintética e lógica, surgiram as tendências de moda mais opostas e abrangentes que conhecemos hoje com intenções de agradar e suprir as necessidades dos consumidores.
No emaranhado de desejo versus necessidade, comércio, marketing e características do consumidor, o pesquisador de moda age como um mediador entre consumidor e produto oferecido.
São nas passarelas que os objetos de desejo, por assim dizer, são identificados, nominados e depois apresentados em blocos coesos e justificados. A confirmação para nós brasileiros será nas vitrinas das mesmas marcas européias que desfilaram dois meses antes nas passarelas e a martelada final de acerto (ou erro) é a observação e fotografia das ruas, que mostra a aceitação do público.
Neste momento das fotos em sites ou arquivo pessoal, é que as tribos aparecem. Cada grupo interfere, à sua moda, na maneira de se vestir, criando uma identidade visual que é correlata com o movimento à que pertence naquele dia e momento.
Pesquisar moda é estar atento ao clássico, ao jovem, ao belo, ao feio, ao desordenado, ao antigo e ao moderno. É saber de tudo o que está acontecendo ao redor e no mundo e deve saber traduzir os sinais para algo que realmente venda.
Movimentos culturais locais influenciam a pesquisa de tendência de moda brasileira. O fenômeno “novela” é o exemplo mais cotidiano. Quando um personagem é campeão no ibope, todas as marcas, do Iguatemi ao Bom Retiro em São Paulo (em Fortaleza, do Iguatemi ao Beco da Poeira) copiam. Seja o vestido da Belíssima
[v], a saia da Sabrina[vi] o look louro platinado com roupas justas da Leona[vii] até a cor do esmalte, batom, bolsas, brincos e cortes de cabelo do personagem do momento.
Os pesquisadores de moda das redes televisivas se baseiam também pelos desfiles, vitrinas dos centros internacionais de moda e confirmação nas ruas, então o período de seis meses entre os desfiles lá e o que realmente acontece nas ruas aqui é interpretado e traduzido para o brasileiro pelos figurinistas de redes televisivas.
Pesquisar moda no Brasil é filtrar e direcionar o que acontece na Europa e Estados Unidos, que são os grandes pólos atualmente, para as tribos que temos, com a cultura e forma de comportamento, os símbolos de linguagem verbal e não-verbal local e particular de cada grupo.
O pesquisador de moda tanto traduz os signos visuais e informações apresentadas nas passarelas como também adapta isso para a realidade em que vive.
[i] Early adopters, do inglês adotadores precoces, se refere aos jovens que por serem mais audaciosos dentro do meio em que estão inseridos, são copiados pelos outros jovens e viram alvo de coolhunters
[ii] Trendsetters do inglês são ditadores de tendências, outra nomenclatura para o item anterior.
[iii] Grupo de jovens que usavam fantasias muito bem elaboradas para irem às festas de música eletrônica em Nova Iorque na década de 90. Movimento mal visto pelo constante uso de álcool e drogas.
[iv] Baby-boom foi o aumento da taxa de natalidade nos Estados Unidos logo depois da Segunda Guerra Mundial.
[v] Novela exibida pela Rede Globo que consagrou os vestidos estampados da estilista Adriana Barra, considerada na época como a estilista mais moderna do momento.
[vi] Sabrina foi uma celebridade momentânea que participou do Big Brother Brasil exibido pela Rede Globo e ficou famosa por usar uma saia de babados bem curta com meias até o joelho. Hoje, Sabrina faz parte do programa Pânico na TV exibido pela Rede TV.
[vii] Leona foi personagem vilã da atriz Carolina Dieckman na novela Cobras e Lagartos exibida pela Rede Globo

4. Bibliografia
CALDAS, Dário, Observatório de Sinais: Teoria e prática da pesquisa de tendências. 1961, Rio de Janeiro: Editora Senac Rio, 2004.
FAUX, Dorothy Schefer, Beleza do Século, São Paulo: Cosac & Naify, 2000.
FILMORE, Mark W. Coolhunting: the commodification of creative expression and the alienation of youth, resumo de tese para Oregon State University, março, 2008.
https://ir.library.oregonstate.edu/dspace/bitstream/1957/8327/1/Complete+Thesis.pdf acesso em 02/05/2008.
FONTENELLE, Isleide A. Os caçadores do Cool, Nº 63, p- 163-177. Issn. 01026445.
www.scielo.br/pdf/ln/n63/a07n63.pdf. Acesso em 09/04/2008 às 09:00
NERY, Marie Louise, A evolução da Indumentária: subsídios para criação de figurino. Rio de Janeiro: Ed. Senac, 2003.
POPCORN, Faith, O relatório Popcorn, Elsevier Editora, 1993.
ZANATTA, Rodrigo. O Id e o Inconsciente Coletivo, questões a Freud, Jung e Lacan. São Paulo, 1999. acesso:
www.rubedo.psc.br/Artigos/idcoleti.html em 05/04/2008 em 17:41.