26 de junho de 2008

Hollywood e a moda do século XX

Cássia de Souza
Estudante de Estilismo e Moda
Universidade Federal do Ceará
E-mail: cassiastarwars@hotmail.com


RESUMO:
O artigo trata da influência do cinema hollywoodiano na difusão da moda do século XX. Identifica que essa influência só foi possível, a partir do momento que o cinema consolidou-se como uma indústria, produzindo filmes em ritmo constante. Explica que essa influência deu-se, de maneira contundente e definitiva, graças ao star-system, um sistema onde “astros” e “estrelas” eram mitificados, e suas imagens eram usadas para fascinar o público.

Palavras-chave: Cinema, Hollywood, divas, moda.

O cinema de Hollywood e a moda

O cinema, no século XX, se caracterizou como uma vitrina para o consumo de moda. Os astros e estrelas, principalmente os de Hollywood, ditavam a moda em boa parte do mundo. Hollywood glamourizou a moda vigente da época, e com isso, ajudou a fortalecer a indústria da moda, que cumprindo cada vez mais rápido com as exigências do mercado, mudava rapidamente o estilo de cada época, o que muitas vezes prejudicava a indústria cinematográfica hollywoodiana, pois esta acabava lançando seus filmes já com figurinos ultrapassados.

O início da parceria entre moda e cinema, uma das relações mais duradouras e glamourosas da modernidade, se deu com a vinda de vários profissionais do ramo da moda para Hollywood em busca de emprego, já que a indústria cinematográfica crescia continuamente e requeria mão de obra qualificada, principalmente no que diz respeito aos figurinos, responsáveis, em grande parte, pelo glamour das divas hollywoodianas.
(...) a importância dada ao vestuário em Hollywood, quase que desde o começo, estava muito além do que o veículo requeria. Talvez não tenha sido uma coincidência a maioria dos primeiros magnatas do cinema terem iniciado sua vida no ramo da moda. Harry Warner era sapateiro, Samuel Goldwin, luveiro, e Adolph Zukor, peleteiro, antes de irem para Hollywood, e os três levaram amigos e colegas do ramo para a indústria cinematográfica.” (LURIE, 1997, p.156)


Foi na década de 1910 que o cinema se impôs e se expandiu, difundindo um novo jeito de ser e vestir, atingindo, principalmente, mulheres de todos os tipos, idades e meios. Segundo Faux (2000, p.11) “a estrela de cinema, bela e bajulada, eclipsou a mulher elegante. (...) E a imagem emblemática dessas estrelas penetrou na sociedade tão profundamente que não cessou de reaparecer ao longo de todo o século”.

Ao longo da década de 1920, as estrelas do cinema eram exaltadas em revistas de moda, recebendo, às vezes, mais atenção do que os estilistas que assinavam suas roupas. Com isso, o cinema se tornou um poderoso lançador de estilo.

Com a chegada do som, em 1927, o cinema ganhou um maior realismo e atrizes como Joan Crawford, Louise Brooks e Gloria Swanson, com corte de cabelo curto e arredondado, olhos fortemente delineados e batom escuro, inauguraram o estilo “melindrosa”, servindo de inspiração para toda uma geração de mulheres, que copiavam suas roupas, penteados, cosméticos e até mesmo seus trejeitos. Na moda, as maiores representantes do estilo “garçonne” foram Chanel e Patou.

A influência do cinema na moda da época foi tão forte, que instigou a criação de revistas especializadas na moda dos astros e estrelas do cinema. Essas revistas eram muito consumidas pelas mulheres, que buscavam incansavelmente, a adequação aos padrões de beleza hollywoodianos. Contudo, essas publicações também eram procuradas pelo público masculino, como atesta Mendes:

As revistas para fãs, surgidas pela primeira vez em 1911, revelavam as rotinas de beleza e os guarda-roupas dos astros. Atores como Rudolph Valentino e Douglas Fairbanks ofereciam novos padrões de estilo para os homens.” (2003, p. 54.)


A partir de então, o cinema passou a desempenhar a função de meio de comunicação em massa e grande influenciador das tendências da moda e beleza. Neste período, os cabelos eram mantidos brilhantes com o uso de brilhantina, cabelos longos eram penteados para cima, os chapéus “cloche” enfeitavam as cabeças de vaidosas damas, as sobrancelhas eram depiladas até se tornarem arcos finos e na boca eram aplicados batons escuros.

O star-system e o poder das divas
Nos anos de 1930, chamados apropriadamente de “os anos dourados de Hollywood”, o cinema demonstrou todo o seu poder, com o star- system, sistema responsável pela criação das “divas”, que foram as grandes responsáveis pela difusão da moda do período. Nesse contexto, as novas palavras de ordem transmitidas pelo cinema foram estilo e glamour.
Divas eram seres intocáveis. A maioria era fisicamente alterada, construída e produzida para alcançar a perfeição. Greta Garbo foi sinônimo de elegância e mistério, e como ela, também eram deslumbrantes Jean Harlow, Joan Crawford, Bette Davis, Marlene Dietrich, Ginger Rogers e Katharine Hepburn. O drama foi que tamanha perfeição mexeu com a mente de todas as mulheres, que passaram a desejar um padrão de beleza inalcançável.
Em 1931, com o cinema sonoro, o público conheceu a voz rouca, baixa e sensual de Greta Garbo, o que lhe conferiu ainda mais sofisticação. Garbo chegou à Hollywood pelas mãos de um produtor para se tornar a primeira diva dos anos 30. Para Faux, Garbo possuía um estilo único: nobre e elegante.
Dona de um estilo nobre e uma elegância natural, Garbo, ao contrário de suas companheiras, ignorava esmalte e batom, maquiando ela própria suas pálpebras com maestria. Bastava que aparecesse na tela com um pequeno chapéu tombado sobre o olho para que em seguida todas as mulheres fizessem o mesmo.” (2000, p.122 )

Outra atriz oriunda do norte da Europa foi Marlene Dietrich, que tornou-se, graças ao seu companheiro Joseph Von Stenberg, o arquétipo da mulher fatal: testa aparada com pinça, cabelos claros, cílios curvados, dentes do siso retirados para aprofundar as bochechas, regime de emagrecimento, langor preguiçoso e voz profunda. Sua aparição em O Anjo Azul, de 1930, foi marcante e acabou lançando a moda dos tubinhos (FAUX: 2000, p.124).
Em alguns momentos, Hollywood conseguiu se antecipar aos costureiros. Travis Banton, que trabalhou na Paramount foi o estilista responsável pela elegância sóbria e misteriosa de Marlene Dietrich. O mesmo surpreendeu a todos ao vestir Marlene, elegantemente, com conjuntos de casacos - com ombros largos e ombreiras - e calças, num misto de masculino e feminino, num período de reinado absoluto dos grandes vestidos.
Os figurinos das divas causavam grande impacto na moda e, apesar dos próprios figurinistas reforçarem a idéia de que nem todo vestido serviria para a vida fora da tela, o mercado sucumbia à moda do cinema de forma desenfreada.
Mendes (2003, p.81-82) explica como a indústria cinematográfica de Hollywood influenciava a indústria da moda:
Além das indústrias de moda de Nova York, os Estados Unidos tinham a vantagem única de Hollywood cujos filmes exercem forte influência na moda da década. O vestuário era central no sucesso de um filme e vastas somas eram gastas nos guarda-roupas das atrizes (embora, muitas vezes, os atores tivessem de fornecer suas próprias roupas). Os produtores e estilistas aproveitavam a oportunidade para produzir modas usáveis e lucrativas, inspiradas nos filmes.


Os estúdios de Hollywood seguiram e adaptaram as modas de Paris por um bom tempo. No entanto, quando as bainhas das saias desceram dramaticamente, em 1929, milhares de rolos de filmes tornaram-se instantaneamente antigos e obsoletos, o que fez com que os magnatas hollywoodianos mudassem de estratégia. Com o objetivo de impedir que o fato se repetisse novamente, dezenas de estilistas foram enviadas à Paris para repassar aos estúdios todos os lançamentos da moda.

A partir do início da década de 1930, os estúdios começaram a contratar e promover o talento de seus próprios estilistas, entre eles Adrian, na MGM, Travis Banton, Walter Plunkett e Edith Head, na Paramount, e Orry-Kelly, na Warner Brothers. Estes estilistas não criaram apenas figurinos que se adaptavam aos enredos e expressavam a personalidade dos personagens, mas lançaram novas tendências e reforçaram modas existentes. Baudot (2000, p. 104) explica o sucesso desses estilistas:

(...) Sem procurar seguir rigorosamente a última moda de Paris, os desenhistas do cinema americano moldam um estilo original, sedutor e fotogênico. Usando materiais ostensivamente luxuosos (lantejoulas, peles, musselines etc.), raramente tecidos com desenhos, seus cortes são de grande simplicidade e sabem valorizar a anatomia das estrelas: decotes profundos ou cavados de modo a deixar à mostra o colo, transparências, plumas de avestruz ou de cisne, cigarreiras etc.


As roupas de esporte e lazer também foram influenciadas pelo cinema americano. No filme “A Princesa das Selvas” (The Jungle Princess), de 1936, Dorothy Lamour apareceu com sarongues, criados por Edith Head. Isto foi o bastante para que o modelo fosse copiado nas coleções americanas nos quinze anos seguintes.

Revistas internacionais contribuíam para a difusão do estilo hollywoodiano e muitas dessas revistas divulgavam, oportunamente, sua própria série de modas cinematográficas prontas para uso, além de moldes de papel para a fabricação da roupa no domicílio. Muitas empresas foram constituídas para produzir modas inspiradas por Hollywood, entre as muitas estão “Miss Hollywood” e “Studio Styles”. Mendes (2003, p. 86) explica como funcionavam estas empresas:

Os produtos eram vendidos no varejo em departamentos de Moda Cinematográfica, em lojas de toda a América do Norte e Europa. As modas dos filmes também eram disponibilizadas por meio de catálogos de encomenda postal. Durante toda a década de 1930, a companhia americana Sears, Roebuck enviou cerca de sete mil catálogos bienalmente, com estilos cinematográficos e modas endossadas por estrelas.


Os trajes dos filmes, apesar de toda a influência do cinema, não podiam ser copiados pelas mulheres de baixo poder aquisitivo, que não possuíam condições de comprar qualquer tipo de roupa nova. O alento para estas mulheres vinha com a maquiagem e o penteado, possíveis de serem copiados, o que as aproximava do estilo de suas estrelas favoritas. O penteado curto de Garbo foi largamente copiado e, quando Jean Harlow, primeira estrela a tingir os cabelos de platinum blonde, surgiu loiríssima no filme de 1930, Anjos do Inferno (Hell´s Angels), aumentou as vendas de peróxido. Tal fato associou, definitivamente, a imagem das “loiríssimas” ao fascínio hollywoodiano, tendência esta que continua sendo copiada até hoje.

Vestir-se bem também era importante para os homens da década de 1930 e, embora o destaque de Hollywood fosse dado aos trajes femininos, a indústria do cinema trabalhou muito para reforçar e moldar as atitudes em relação ao vestuário dos homens. Muitos procuravam seguir o estilo de grandes astros como Ronald Colman, Cary Grant e Gary Cooper. O estilo britânico e, em particular, alfaiataria de Saville Row, eram sofisticamente divulgados, enquanto o estilo informal americano era usado para imprimir um conceito mais agressivo.

Nas décadas de 1940 e 1950, o público freqüentador de cinema era imenso. Dois estilos de beleza feminina marcaram os anos de 1950: o visual comum de Doris Day e o das ingênuas chiques, encarnado pelas elegantes Grace Kelly e Audrey Hepburn, que se caracterizavam pela naturalidade e jovialidade; e o estilo sensual e fatal das deusas glamourosas e mais curvilíneas como Jane Russel, Marilyn Monroe, Gina Lollobrigida, Elizabeth Taylor, e Ava Gardner. A elegância de Grace Kelly, com suas saias amplas, cintura marcada, twin-set, colar de pérolas, e clássica bolsa Hermés, enfeitiçou os criadores e aficionados da moda. Rita Hayworth, já ilustre durante a guerra, foi apelidada como “A deusa do amor do século XX”, e em Gilda, de 1946, imortalizou o fourreau de cetim cromado preto, criado por Jean Louis. Rita lançou a moda dos cabelos compridos e selvagemente cacheados.
Em meados da década de 1950, surgiu na Grã-Bretanha, uma sub-cultura influenciada pelo filme O Selvagem (The Wild One), protagonizado por Marlon Brando em 1954. Conhecidos como Ton-Up boys, seus integrantes começaram a formar clubes de motoqueiros, e lançaram as modas do casaco de couro, do jeans, das motos e da rebeldia, elementos fundamentais do visual durão ditado pelo personagem de Brando. Contudo, James Dean foi quem incorporou, definitivamente, o estilo rebelde. O célebre ator atuou em Juventude Transviada, de 1955, Vidas Amargas, de 1955, e Assim Caminha a Humanidade, de 1956, este último inacabado por ele, que faleceu durante as filmagens.
Com o final da Segunda Guerra, a mulher dos anos 50 voltou a ser feminina, luxuosa e sofisticada: sapatos de saltos altos, luvas além de peles e jóias. A década de 1950 foi uma época de elegância.

Elegante era a palavra de ordem e era vital a escolha dos acessórios corretos para cada conjunto. As revistas de moda geralmente recomendavam que sapatos, bolsas, chapéus e luvas deviam combinar. (MENDES, 2003, p.157)

Neste período se deu uma das mais famosas parcerias entre o cinema e a moda: Givenchy e Audrey Hepburn. O estilista cuidadosamente estudou e evitou gestos populistas, e aperfeiçoou um estilo clássico e refinado. Audrey Hepburn após conhecê-lo, em 1953, ficou deslumbrada por seu trabalho e, tornou-se a sua cliente mais fiel. A atriz utilizava as criações do estilista tanto nos filmes como no cotidiano, fora dos estúdios. Givenchy criou dezesseis modelos para as suas aparições cinematográficas entre 1953 e 1979. Mas o mais famoso foi, certamente, o vestido preto de Bonequinha de Luxo (Breakfast Tiffany´s), de 1961.

O fim dos “anos dourados de Hollywood”

Os anos de 1970 representaram a última grande era do cinema americano. A moda passou a ser idealizada de fora para dentro, do povo para os fabricantes, da rua para os salões. O termo elegância foi substituído por punk, retrô. Estilistas renomados são convidados para criarem os figurinos de filmes.

Em 1974, Ralph Lauren criou todo o guarda-roupa masculino de O Grande Gatsby, protagonizado por Robert Redford. Em 1977, o estilista criou o figurino que a atriz Diane Keaton usou suas roupas em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, de Woody Allen, popularizando seu estilo de vestuário masculino para mulheres: blusas largas, calças, gravatas e casaco.

A década de 1980 teve seu estilo inspirado em filmes noir dos anos 40. Mickey Rouke, em 9 e 1/2 Semanas de Amor,de 1986, e figurino de Bobbie Read, deflagrou uma onda minimalista na moda: camisa branca e terno escuro. Em Wall Street – Poder e Cobiça, de 1987, o figurino de Ellen Mirojnick, representa a sofisticação artificial dos yuppies, inspirada diretamente nos executivos de Nova York, simbolizando status e poder. Camisas listradas de punho e gola em cor contrastante - batizadas de “gekko", nome do personagem interpretado por Michael Douglas -, ostentosas abotoaduras, suspensórios e prendedores de gravatas invadiram escritórios, bancos e corretoras.da época.

No final do século XX, o figurino de cinema revisitou estilos e criou outros, e assim, continuou divulgando modismos, mesmo que sem a força dos “anos dourados de Hollywwod”. Um exemplo disso foi os óculos do personagem Neo, de Matrix (1999), que foram um grande sucesso de vendas no período.

Conclusão

Diante do fascínio exercido por Hollywood no século passado, não é difícil admitir que desde a sua invenção, o cinema influenciou e foi influenciado pela moda. Os Figurinos de astros e estrelas de filmes de Hollywood passaram a ser copiados e adaptados para a realidade do público, fazendo com que o cinema também se tornasse um criador de tendências e contribuísse para o aumento no consumo de produtos de moda, contribuindo para o estabelecimento dessa indústria.

Referências Bibliográficas

BAUDOT, François. Moda do século. São Paulo: Cosac e Naify Edições, 2000
FAUX, Dorothy S. A beleza do século. São Paulo: Cosac & Naify, 2000
LURIE, Alison. A linguagem das roupas. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
MENDES, Valerie D. A moda do século XX. São Paulo: Martins Fontes, 2003.